segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

TODAS AS COISAS Introdução

Introdução.

A IDÉIA era menor, mas cresceu por si. Tomou da atenta imaginação artifícios, dos mistérios universais o desejo de ir além do que se escreve; o desespero de encontrar nas palavras algo próximo ao que realmente se quer dizer, dentre as alegorias e duplo sentido das letras. O fascínio e o vasto campo que a imaginação, fervorosa e insistente, oferece. As atenções que a capacidade nos cobra, o consciente e inconsciente, os mistérios da mente e da alma. Tudo numa solução incalculável, de resultado oculto até que, revelado, destrói parte do que carregamos, trocando por algo que realmente temos que carregar.
Desde que questões e suposições tomaram minha mente e foram incentivadas pelo extraordinário mundo das letras como base expressiva, eu nunca mais tive paz. Porém, essa paz nunca me foi necessária. Posso até dizer que, diante da ausência dela, uma nova razão de ser me luziu ante a visão dos desenhos das letras, que compõem e transformam. Vi-me assim na esperança de poder transformar. Foi para isso que vim... escrever. Passei a pensar até hoje. E se mais tarde outra ideia vir a fascinar-me mais – o que, por hora não creio – certamente usarei as letras para dar-me a boa nova.
O desenvolvimento da ideia deu-se, talvez, pela demora da execução; e a demora da execução deu-se, creio, pelo fato de só agora ser o momento exato para a definição. A ideia já foi teatro, outra paixão que me consome encantadoramente. A ideia continuou a ser teatro, mas expandiu, talvez porque eu precisasse de expressões maiores que as rubricas, ou ainda, talvez porque eu quisesse alcançar um número maior de conhecedores do meu trabalho. Na verdade, eu quis os dois, e, os dois eu fiz. Uma trilogia em volta de um personagem reescrito e reinventado, mas nunca fictício, porque se tal palavra existe na arte, é só pelo avesso. Uma trilogia de artes: literatura, teatro e música... Alguns remendos os quais me recuso chamar de colagens, pois não foram encaixados, mas sim pontos de partida. Falo das letras de música, que estão devidamente creditadas no final do volume.
A poesia de Herivan Zalis é cuidadosamente costurada como a linha colorida das bordas de um pano de prato, onde todo o branco desenvolve-se dentro daquele contorno. Também letras de Agnaldo Torres são visualizadas na segunda parte da trilogia (Na Realidade da Ficção). O título da primeira é por conta da canção fundo de disco de Zalis, Interna Veterana, assim como a parte que encerra o trabalho, a terceira, Porto das Elucidações, adicionando o artigo definido (o) no início da frase. Há também citações diversas que vão por Walt Barks e passam por Robert Lester e sua fantástica orquestra, de acordo com as viagens que as músicas me representaram nos momentos.
Todas as cenas teatrais são minhas, assim como alguns poemas. Todos esses textos são atribuídos ao personagem principal (talvez único) da narrativa. Já toda a narrativa é de um autor que discretamente se esconde, fiel tradutor das sensações e sentimentos do dramaturgo em crise de ideias (o citado personagem). Uma compacta versão cômica de Romeu e Julieta também está inclusa, assim como algumas cenas que, em minha estante aguardavam término. A maior parte das cenas foi escrita antes da idéia do livro, que surgiu em 1996. Após transformações radicais do projeto original, no ano de 2002 o mesmo veio a ficar pronto, sendo revisado no início de 2003. Antes, porém, em 1998, passou por versão teatral a primeira parte da trilogia.
A estética trabalhada nos textos teatrais permite clareza para a definição do que é escrito pelo autor do livro (as narrações) e pelo seu personagem (as cenas e suas rubricas – por vezes alongadas, quando atribuídas a personagens criados pelo dramaturgo, numa confusão que só a leitura atenciosa e integral pode desfazer). As letras de músicas também são destacadas pela estética e colocam-se neutras pela indiferença do contexto em esclarecer quem as colocou lá (autor ou personagem). Outro ponto que também define bem os fatos é a questão do tempo das narrações: os textos teatrais estão escritos no presente, quando nas narrações predomina o passado. Narrações do “turbulento” dossiê ao qual se prestou o autor.


As questões típicas, tais como “De onde surgiram os personagens? a ideia? tem algo a ver com você?”, sempre surgem e, estou preparado para elas. A verdade é que os personagens (desde os reais fictícios aos fictícios reais) tomaram suas formas e conquistaram sua independência própria, libertando-se dos laços com suas sombras reais, tornando-se pessoas que, certamente desconheceriam suas fontes de origem, de inspiração. A arte.
Toda arte é composta de emoções, e busca, entre elas, transformações nos fatos e personagens reais, para que tudo seja imprevisível, representando então a realidade em ideias divididas. Essa realidade é indefinível. Às vezes é criada à distância, de um fato, de um ponto, de alguém que mal sabemos o nome. Em muitos casos, de muitos fatos; assim como pode se compor um personagem inspirado em muitas pessoas, ou muitas histórias inspiradas em uma só. Ouvimos, lemos e vemos muitas coisas, mas o número das quais ignoramos é infinitamente maior. O que nos facilita a emoção com histórias imaginadas e escritas... Pode ser muito real; e, em muitos casos, o próprio autor ignora.
Deixo o encargo do título por conta do narrador. E os caminhos que as viagens percorrerão, por conta de cada leitor, de cada imaginação, de cada realidade, de cada universo pessoal. Em suas leis, em seu tempo e em sua proporção, permita-se mergulhar em cada palavra lida, assim como mergulhei em cada uma que escrevi. Com motivos alheios, claro, pois cada um tem suas razões e visões. E que você se sinta parte da transição aqui descrita, como eu me senti escrevendo, e sinto, cada vez que releio o livro. Recolho-me agora à sessão do leitor, a fim de que a obra, em seu momento precioso e de destino, seja maior que seu autor.
Dedicado a todos aqueles que se identificarem com alguns dos personagens que fazem das próximas páginas o palco de seus momentos mágicos e únicos. E que tudo isso possa dar-lhes algo de bom. Assim como para aqueles que se identificarem com os fatos. O meu muito obrigado.