sábado, 12 de março de 2011

TODAS AS COISAS Pirmeiras Páginas

PRÓLOGO DO AUTOR
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DAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS

MAS QUEM era aquela figura, ali no passado, então avistado numa fotografia apenas? Quem o conhecia? Quem o via ou o vê? Não se pode falar em tempo ou local ainda, nem se pode deduzir nomes. Como lembra uma cena de filme! E ao mesmo tempo, como parece real. Os mistérios que movem a vida lhe mostraram outras faces incógnitas da verdade. Estas lhe pareceram tão inatingíveis quanto à realidade, e tão reais quanto a ficção. Esvaiu-se lhe a razão, largando-o ao arbítrio de seu subconsciente. Mas é, ainda assim, certo que um dia virá a entender o que aqui será explorado, neste dossiê, o qual me encarreguei de produzir, a fim de dar ao “ser e não ser” dessa figura humana, a forma magistral da palavra e todo o seu poder edificante.

UM CENÁRIO

ENTRE QUATRO paredes inadequadamente iluminadas, estava uma escrivaninha. Sobre ela, uma velha máquina mecânica de escrever, alguns papéis, livros, cadernos... Ao seu lado direito, um pequeno móvel que lhe servia de balcão, com três portas. Na parede lateral próxima à escrivaninha, podia-se observar uma estante de dois corpos, onde se notava, além de muitos discos de vinil, um antigo aparelho de som. Na referida estante, também muitos livros, em sua maioria de capa dura e aparência de antigos. Ainda pilhas de jornais no móvel, no chão, debaixo da escrivaninha. Uma grande folha de madeira cobria a janela e servia de painel na parede. No painel, várias fotografias, cartazes, panfletos etc. Ainda na mesma parede, uma escrivaninha menor que a primeira, um baú e uma cadeira, sobre a qual estava posto um violão. Na outra parede, um velho e confortável sofá de três lugares, estampado, com tecido grosso. Nas paredes também alguns pôsteres, cartazes, capas de disco, adereços e pequenos acessórios de figurino do seu mundo teatral – o qual era a maior causa daquela montagem toda. Ainda no teto, pelos cantos, eram curiosamente expostos alguns canhões de luz simples com suas gelatinas coloridas. Ao lado do painel de fotografias e demais papéis estava armado um tripé de dois metros de altura, que sustentava um varão de ferro, no qual estavam parafusados quatro canhões. Quase tudo ali, com exceção das paredes, tinha cores escuras; inclusive os móveis de madeira (envernizados) e os canhões, que eram pretos. Até mesmo o grande tapete do centro do cômodo exibia cores escuras em sua composição. Também o violão era preto, assim como as cadeiras de escritório atrás das escrivaninhas e pelos cantos do cômodo de tamanho razoável e de amplas proporções.
Dimensões feitas amplas por aquela figura de escritor, na mesma posição, sentado à escrivaninha maior, com os cotovelos apoiados na carcaça da velha Olivetti. Cabeça abaixada, mãos se encontrando na nuca e, os olhos, tristes, no teclado da máquina.

A VOZ DA RAZÃO

OUTRA VEZ. Como sempre. Estava sempre com algo para escrever e nada lhe saía. O que estava acontecendo com ele? Por que deixava que problemas invadissem sua privacidade artística? E o que o impedia de livrar-se deles? Sim, ele sabia que tinha uma responsabilidade muito grande, mas tinha medo de não conseguir. Imaginava todos lhe cobrando... As pessoas, as coisas... As circunstâncias fechavam um cerco ao seu redor. E tudo porque já não conseguia finalizar os seus trabalhos e se perdia em quase todos eles. Como escrever uma boa comédia assim? Como passar uma mensagem? Como transmitir algo positivo ao público se não sentia as coisas positivas em si? As perguntas seguiam sem cessar. O corpo imobilizara-se, a mente não parava. E o coração arrastava-se em batidas descompassadas. Era um deserto. Estava só. Nada via, nada ouvia, muito sentia; tanto o quanto não desejava sentir. Seus personagens o esperavam em algum lugar, e ele sabia. Há quanto tempo estava assim? Tinha medo de consultar a memória e esta lhe negar a resposta. Perdera-se. Estava assim. Sabia que não podia estar, mas estava. Não lhe faziam efeitos os fenômenos naturais que tornavam sagradas as noites, os dias, a vida. Castigavam lhe outras forças, provindas de uma fonte que ele ainda não conhecia. Mas embora quisesse negar, a vida lhe era contínua, como o é para todos nós. A vida nunca cessa, nunca se engana. E até que aprendamos a entender e aceitar isso, não podemos iniciar o caminho – nobre e sábio – da adaptação. Quando aí chegarmos, entenderemos, enfim, que a vida é uma arte.